sábado, dezembro 29, 2007

Vergílio António Ferreira (Melo, Gouveia, 28 de janeiro de 1916 — 1 de março de 1996) foi um escritor português. A sua vasta obra, geralmente dividida em ficção (romance, conto), ensaio e diário, costuma ser agrupada em dois periodos literários: o neo-realismo e o existencialismo. Considera-se que Mudança é a obra que marca a transição entre os dois períodos.
[www.pt.wikipedia.org]


Se eu soubesse a palavra,
a que subjaz aos milhões das que já disse,
a que às vezes se me anuncia num súbito silêncio interior,
a que se inscreve entre as estrelas contempladas pela noite,
a que estremece no fundo de uma angústia sem razão,
a que sinto na presença oblíqua de alguém que não está,
a que assoma ao olhar de uma criança que pela primeira vez interrogou,
a que inaudível se entreouve numa praia deserta no começo do Outono,
a que está antes de uma grande Lua nascer,
a que está atrás de uma porta entreaberta onde não há ninguém,
a que está no olhar de um cão que nos fita a compreender,
a que está numa erva de um caminho onde ninguém passa,
a que está num astro morto onde ninguém foi,
a que está numa pedra quando a olho a sós,
a que está numa cisterna quando me debruço à sua borda,
a que está numa manhã quando ainda nem as aves acordaram,
a que está entre as palavras e não foi nunca uma palavra,
a que está no último olhar de um moribundo, e a vida e o que nela foi fica a uma distância infinita,
a que está no olhar de um cego quando nos fita e resvala para nós,
- se eu soubesse a palavra,
a única, a última,
e pudesse depois ficar em silêncio para sempre


FERREIRA, Vergílio. Uma Esplanada Sobre o Mar. Bertrand Editora.


Feliz Ano Novo! =D***

domingo, dezembro 02, 2007

Miguel Torga, pseudônimo de Adolfo Correia Rocha (São Martinho de Anta- Vila Real, 12 de agosto de 1907 — Coimbra,17 de janeiro de1995), foi um dos mais importantes escritores portugueses do século XX.
Notável pela sua técnica narrativa no conto, pela expressividade da sua linguagem, frequentemente de cunho popular, mas de uma força clássica, fruto de um trabalho intenso da palavra, conseguiu conferir aos seus textos um ritmo vigoroso e original, a que associa uma imagística extremamente sugestiva e viva.
[www.pt.wikipedia.org]

Recomeçar

Recomeça...
Se puderes,
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
do futuro,
Dá-os em liberdade
Enquanto não alcances,
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

domingo, outubro 28, 2007

TENTAÇÃO - Clarice Lispector

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desalento. Na rua deserta nenhum sinal de bonde. Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária. Que importava se num dia futuro sua marca ia fazê-la erguer insolente uma cabeça de mulher? Por enquanto ela estava sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado, apertando-a contra os joelhos.

Foi quando se aproximou a sua outra metade neste mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comunicação surgiu no ângulo quente da esquina acompanhando uma senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um basset lindo e miserável, doce sob a sua fatalidade. Era um basset ruivo.

Lá vinha ele trotando, à frente da sua dona, arrastando o seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro.

A menina abriu os olhos pasmados. Suavemente avisado, o cachorro estacou diante dela. Sua língua vibrava. Ambos se olhavam.

Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tempo se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo. Os pêlos de ambos eram curtos, vermelhos.

Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se, com urgência, com encabulamento, surpreendidos.

No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol, ali estava a solução para a criança vermelha. E no meio de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães maiores, de tantos esgotos secos - lá estava uma menina, como se fora carne de sua ruiva carne. Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes do Grajaú. Mais um instante e o suspenso sonho se quebraria, cedendo talvez à gravidade com que se pediam.

Mas ambos eram comprometidos.

Ela com sua infância impossível, o centro da inocência que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele, com sua natureza aprisionada.

A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se da menina e saiu sonâmbulo. Ela ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-lo dobrar a outra esquina.

Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás.

Clarice Lispector. in "Felicidade Clandestina" - Ed. Rocco - Rio de Janeiro, 1998

quarta-feira, outubro 03, 2007

Enchantagem - Paulo Leminski

de tanto não fazer nada
acabo de ser culpado de tudo

esperanças, cheguei
tarde demais como uma lágrima

de tanto fazer tudo
parecer perfeito
você pode ficar louco
ou para todos os efeitos
suspeito
de ser verbo sem sujeito


pense um pouco
beba bastante
depois me conte direito

que aconteça o contrário
custe o que custar
deseja
quem quer que seja
tem calendário de tristezas
celebrar

tanto evitar o inevitável
in vino veritas
me parece
verdade

o pau na vida
o vinagre
vinho suave

pense e te pareça
senão eu te invento por toda a eternidade

quarta-feira, julho 25, 2007




À estilosa e excêntrica amiga/ estudante/ cozinheira/ pintora/ designer, sonhadora, etc. etc. [muitas qualidades pra uma mesma pessoa! quase uma Da Vinci!] deixo um versinho de Mário Quintana, como homenagem no dia de seu natalício!

bjo naninha! =D***

"Esses que pensam que existem sinônimos, desconfio que não sabem distinguir as diferentes nuanças de uma cor."

P.S.: mas porque você escolheu essa cor? =P

domingo, julho 22, 2007

Primeiro foram comunidades. Muitas comunidades que faziam referência à música da banda. Depois, tava lá "O Teatro Mágico" para as apresentações do Festival de Circo do Recife. Infelizmente não pude ir, mas quando soube da vinda deles pra cá, busquei informações e as músicas mesmo (na comunidade oficial todas as músicas estão disponibilizadas.)
AH, aí 'cabou-se. A música deles é sutil, cheia de mensagens e muito lírica (se não for, quero que seja, e AI daquele que me venha perguntar o que é o lírico ou seu conceito).
Na árdua escolha entre "Pratododia", "Sintaxe à Vontade", "O Anjo Mais Velho" e tantas outras, decidi postar "Ana e o Mar". Não me pergunte porque, pois todas elas falam tanto ou mais que esta apresentada.
Para conhecer mais, é só acessar:
www.oteatromagico.mus.br ou www.teatromagico.blogger.com.br


Ana e o Mar
O Teatro Mágico
Composição: Fernando Anitelli


Veio de manhã molhar os pés na primeira onda
Abriu os braços devagar e se entregou ao vento
O sol veio avisar que de noite ele seria a lua,
Pra poder iluminar Ana, o céu e o mar

Sol e vento, dia de casamento
Vento e sol, luz apagada no farol
Sol e chuva, casamento de viúva
Chuva e sol, casamento de espanhol

Ana aproveitava os carinhos do mundo
Os quatro elementos de tudo
Deitada diante do mar
Que apaixonado entregava as conchas mais belas
Tesouros de barcos e velas
Que o tempo não deixou voltar

Onde já se viu o mar apaixonado por uma menina?
Quem já conseguiu dominar o amor?
Por que é que o mar não se apaixona por uma lagoa?
Porque a gente nunca sabe de quem vai gostar

Ana e o mar... mar e Ana
Histórias que nos contam na cama
Antes da gente dormir

Ana e o mar... mar e Ana
Todo sopro que apaga uma chama
Reacende o que for pra ficar

Quando Ana entra n'água
O sorriso do mar drugada se estende pro resto do mundo
Abençoando ondas cada vez mais altas
Barcos com suas rotas e as conchas que vem avisar
Desse novo amor... Ana e o mar

domingo, julho 15, 2007

E é chegando ao final que a gente lembra do início. Essa frase não é minha, acho que vi num filme se não me engano...
Pois é, daqui a seis meses vou concluir meu LINDO curso de História, e por esses dias lembrei da época do 3º ano... pense num ano que não fiz nada que um vestibulando normal faz! só estudava História e lia Erico Veríssimo! KKKKKK Aí achei a lista dos livros que li e achei também uma foto minha nos dias do vestibular da Upe: eu com um livro de História na mão, e ao lado, um livro de Erico. Realmente, já estava determinado: História e Literatura tomariam conta da minha vida acadêmica! =D

A lista:
- Solo de Clarineta I
- Solo de Clarineta II
- Israel em Abril
- As Aventuras de Avião Vermelho
- Os Três Porquinhos Pobres
- Rosa Maria no Castelo Encantado
- O Urso-Com-Música-Na-Barriga
- A Vida do Elefante Basílio
- Outra Vez Os Três Porquinhos
- Fantoches e Outros Contos
- México
- Olhai Os Lírios do Campo
- Incidente em Antares
- Galeria Fosca
- O Prisioneiro
- Noite
- Gato Preto em Campo de Neve
- A Volta do Gato Preto

domingo, julho 01, 2007

"Falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituano, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do checo, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração."
João Guimarães Rosa

depois de ler isso, percebi que tenho ainda muito trabalho pela frente...

domingo, maio 13, 2007

Dia: 30 de Abril de 2007
Local: Shopping Recife
Evento: Show do Móveis Coloniais de Acaju

Bem, isso não diz nada pra muitas pessoas. Mas pra quem conhece o grupo sabe que foi uma ótima oportunidade de ver essa banda de Brasília muuuito de pertinho! Foi o MAIOR show POCKET que eu já estive! Das 12 músicas do Cd - Idem, eles cantaram 9! Fora o "bonus" do "Se essa rua, se essa rua fosse minha...."
Pude comprar o cd e agora ele não sai do meu microsystem. As músicas são realmente ótimas! As letras não dizem o óbvio. Na verdade, convidam a uma reflexão ou mesmo tem somente a intenção de divertir. O importante é aproveitar o som, do jeito que for.

No site da banda [ www.moveiscoloniaisdeacaju.com.br ] é possível baixar as músicas do cd e do ep, além de conhecer mais sobre a banda, shows e blogs dos integrantes. Vou deixar a letra da música "Cego", que tem por subtítulo "Registro de uma inspiração alheia". É a música do momento pra mim. =***


Cego
Letra e Música: Roberto Mejía

Quando vi, parado ali,
Um cego a se questionar porquê
Não via só a luz do sol
Como a cor do céu


Direcionou o olhar a mim
Enquanto evitava o encontro ao seu
E com tristeza no falar
Também me perguntou:


"será mesmo, realmente
amarelo o sol, e azul o céu
por que não ser lilás, vermelho
ou quem sabe seja apenas som?"


Agoniado ao pensar
No que o cego estava a falar
Olhos azuis a escurecer
Meu Deus, o que vai ser


Sentei, chorei e compreendi
Que não havia só um cego ali
E perturbado ao dizer,
Escute aí você:


"quem é que não enxerga aqui
será eu ou você que não percebe?"




quarta-feira, abril 11, 2007

Achei essa citação numa comunidade no Orkut dedicada à Gilberto Freyre. Eu sempre me interesso pelos pensamentos que as pessoas expressam sobre si mesmas, como o de Foucault que eu coloquei aqui no meu perfil. Escrever sobre os outros é fácil, mas difícil mesmo é se auto-definir...

«Se me perguntarem quem sou,
direi que não sei classificar-me.
Não sei definir-me.
Sou um sensual e um místico.
Conservador em umas coisas, revolucionário em outras.
Sou um brasileiro de Pernambuco.
Sou sedentário e ao mesmo tempo nômade.
Gosto dos meus chinelos e gosto de viajar.
Meu nome é Gilberto Freyre.»

sábado, março 17, 2007

Séculos e séculos que não posto aqui. Foram muitas mudanças que ocorreram desde então, afinal além de História na Upe, inventei de começar Letras na Ufpe. Vida de universitário é stressante, mas vicia também! =P

Mas as mudanças foram além do campo acadêmico, e já são bem perceptíveis no meu cotidiano.

Bem, é importante dizer que eu descobri nesse meio tempo que a frase que dá nome ao endereço do blog: "elephantes amarillos" não é de um poema de Viggo Mortensen. Na verdade é chamado "Otro", do livro "Corazón Amarillo" de Pablo Neruda. De uma forma ou de outra, continuou dentro do meu gosto, então tá ótimo! =D

Vou deixar a letra de uma música que descobri a pouco, por mais que a banda esteja nas graças de todos há tempos.

=D***

Antes das Seis - Legião Urbana

Quem inventou o amor?
Me explica por favor
Quem inventou o amor?
Me explica por favor

Vem e me diz o que aconteceu
Faz de conta que passou
Quem inventou o amor?
Me explica por favor

Daqui vejo seu descanso
Perto do seu travesseiro
Depois quero ver se acerto
Dos dois quem acorda primeiro

Quem inventou o amor?
Me explica por favor
Quem inventou o amor?
Me explica por favor

Enquanto a vida vai e vem
Você procura achar alguém
Que um dia possa lhe dizer
"-Quero ficar só com você."

Quem inventou o amor?