quarta-feira, março 04, 2009

Oficina de Criação nada Literária

Ontem, terça-feira pela manhã, começaram as aulas de Teoria da Literatura 3, que tem como foco o estudo da poesia. A professora apresentou os conceitos básicos do assunto, exemplicando - e declamando com muita veemência Camões, Pessoa, Augusto dos Anjos, etc. Em seguida, ela selecionou os poetas que teremos de ler ao longo do semestre. São vários, interessantíssimos, não só brasileiros mas também hispanoamericanos e europeus.

Por fim a professora anunciou que em algumas aulas serão feitas "oficinas de criação literária", pois, segundo ela, é muito mais fácil ensinar aquilo que se sabe fazer. Definitivamente, a idéia nããão me agradou. Já fazia anos que eu tinha desistido dessa vida poética. Ainda guardo o único poema que escrevi... um pobre soneto. Ou melhor: um texto que eu pensava, naquela época, ser um soneto, até descobrir que existia métrica e que ela estava muito além dos dois quartetos e dois tercetos...

Como ainda era cedo quando terminamos tudo o que se espera do primeiro dia de aula, a professora disse que ainda não nos poderia liberar, por conta do horário. Disse: "Por conta disso, vamos fazer uma oficina agora". Olhamos uns para os outros, e a vontade - ao menos a minha vontade - era de sair correndo porta fora. Ela nos explicou como seria o processo: falaria várias palavras soltas e, enquanto isso, deveríamos escrever o "poema". Isto aconteceu, mas para que eu escrevesse, esperei até que ela não mais falasse nada.

Segue o pseudo-poema em versos livres (modo prático para quem não sabe métrica). É importante dizer que a tentação de modificá-lo antes de expor aqui foi enormeeee. Mas não teria graça, depois de toda essa explicação anterior...

Como numa infância inventada
Aquele quintal, onde brincávamos no balanço
Sob o atento olhar da avó, na cadeira de descanso
Que, por vezes, gritava para que saíssemos da chuva.

Mas o que resta, na verdade,
É o isolamento de um edifício sem espaços
Fechado sobre si, e para os outros
Onde isolam-se pessoas, em pequenas ilhas apartamentais.

A solidão faz parte do sonho
Mas não esta, definida pelo concreto
A imagem é das praias distantes
E de um amor próximo
Quer torne aquele cenário completo.

Enfim,
Entre realidade e sonho
O desejo
Que torna tudo possível
Pela esperança em nós constante.

Horácio é que tinha razão, quando falava que devemos guardar aquilo que escrevemos por 7 anos, para reler, e aí sim, publicar. Mas ainda bem que isso foi, para mim, uma brincadeira. Se estivesse impresso em papel, não teria dúvidas nem temeria a seguinte sentença: JOGA NA FOGUEIRA!

segunda-feira, fevereiro 09, 2009

José Rodrigues de Paiva nasceu em Coimbra, Portugal, em 30 de outubro de 1945 e encontra-se radicado no Recife desde abril de 1951. É Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (1969), Mestre em Letras (Teoria Literária) pela Universidade Federal de Pernambuco (1981), com defesa da dissertação "Mudança": romance-limite e Doutor em Letras (Teoria Literária) pela Universidade Federal de Pernambuco (2006), com defesa da tese Vergílio Ferreira: Para sempre, romance-síntese e última fronteira de um território ficcional, recentemente publicada pela Editora Universitária da UFPE.
Além da produção de teor acadêmico, também possui vasta produção poética. O poema escolhido para esta postagem pertence a sua mais recente publicação, As Águas do Espelho. [Editora Universitária da UFPE, 2008].

Amanhã Haveremos de Fazer Grandes Coisas

Amanhã haveremos de fazer grandes coisas...
Nada de coisas miúdas, com que se pretenda pensar e salvar o mundo,
criar uma invenção inexistente, a fórmula de remédio para doenças [incuráveis,
o elixir da longevidade... outras miudezas do gênero.
Só grandes coisas haveremos de fazer amanhã:
experimentar um vinho novo,
sentir na brisa os aromas da tarde de flores e pássaros
e a vibração interior do mistério no sopro de uma flauta.
Ler quaisquer belas páginas de um romance de Yourcenar, de [Saramago ou de Cony,
Sentarmo-nos de mãos enlaçadas, como os estóicos amantes de Reis,
à beira do açude vendo o brilho refletido na luz entre as plantas [aquáticas,
uma ave, um peixe, uma asa de vento que arrepia,
numa carícia rápida e sensual, a epiderme das águas...
Só grandes coisas,
como os privilegiados instantes de um poema
em que Borges, entre espadas e espelhos, memória sucessão e engano,
erige o tênue e eterno tempo.
São estas, se quiseres, algumas das coisas que poderemos fazer [amanhã.
Mas, como só de grandes coisas nos ocuparemos,
poderemos, ainda, ir ao campo e colher,
nas trepadeiras de uma cerca viva,
a flor amarela da alamanda que ali esteve sempre à nossa espera.
Ou, junto ao mar, lançarmos nossos olhos para além do infinito
onde moram os sonhos, ou, se preferires, subirmos aos altos montes
e ali nos ausentarmos de tudo, enquanto súbitas e densas névoas
nos envolvem, ocultado-nos de indesejáveis olhares estrangeiros.
Depois, no recolhimento da memória de cada um de nós,
haveremos de ouvir um violino que em linguagem de sonho
fale de amor, de desencontro e de saudade...
Se ainda quisesses, amanhã haveríamos de fazer grandes coisas.
Coisas como estas, ou como outras que
ao impossível sonho fosse permitido inventar.

Olinda, 13 de dezembro de 2000

sábado, janeiro 31, 2009

Ryûnosuke Akutagawa nasceu em março de 1892, em Tóquio, filho de um comerciante que o entregou à adoção para um tio, constatado o enlouquecimento da mãe. Desde cedo o escritor teve contato com traduções de Ibsen e Anatole France. Ainda na adolescência traduziu Yates e formou-se em literatura inglesa pela Universidade Imperial de Tóquio. Nesse período tornou-se
discípulo de Sôseki Matsuname, um dos grandes nomes da literatura de seu país e seu grande incentivador. Vítima de freqüentes alucinações, decidiu se suicidar em julho de 1927, aos 35 anos. Em carta escrita antes do gesto extremo, Akutagawa confessou ser a morte a única forma de encontrar a paz
[www.hedra.com.br]

Um dos motivos de maior popularização de seu trabalho no ocidente foi a adaptação em filme dos contos Rashômon e Dentro do Bosque, por Akira Kurosawa. Pelo longa Rashômon, Kurosawa ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza (1951).

Akutagawa trabalhou em seus contos temas vivenciados em diversos períodos da história do Japão, registrou também a presença do cristianismo naquele país e, por fim, a abertura ao ocidente ocorrida em fins do século XIX. Além destes, o autor possui certa produção de teor nitidamente autobiográfico, como transparece nos dois excertos do conto A Vida de um Idiota.

17 A Borboleta
Uma borboleta volteava no vento impregnado por um cheiro de ervas aquáticas. Durante apenas um ínfimo segundo, ele sentiu o roçar de suas asas sobres os lábios ressecados. Mas o pó das asas que assim fora espalhado sobre seus lábios continiou a brilhar, mesmo muitos anos depois.

42 O Riso dos Deuses
Com trinta e cinco anos de idade, ele ia caminhando pela floresta de pinheiros banhada pelo sol de primavera. Recordava as palavras que escrevera dois ou três anos antes: "Para sua infelicidade, os deuses não podem, como nós, se suicidar..."


[AKUTAGAWA, Ryûnosuke. Rashômon e outros contos. São Paulo: Hedra, 2008.]

quinta-feira, janeiro 22, 2009

Rainer Maria Rilke (Praga, 4 de dezembro de 1875 - Valmont, Suíça, 29 de dezembro de 1926) foi um dos mais importantes poetas de língua alemã do século XX. Rilke possui uma obra original, marcada pelo tratamento da forma e pelas imagens inesperadas. Celebra a união transcendental do mundo e do homem, numa espécie de “espaço cósmico interior”. Sua poesia provocava a reflexão existencialista e instigava os leitores a se defrontarem com questões próprias do desencantamento da primeira metade do século XX.
[www.pt.wikipedia.org]


Moro entre o dia e o sonho.
Onde cochilam crianças, quentes da correria.
Onde velhos para a noite sentam
e lareiras iluminam e aquecem o lugar.

Moro entre o dia e o sonho.
Onde tocam claros sinos vesperais
e meninas, perdidas da confusão,
descansam à boca do poço.

E uma tília é minha árvore querida;
e todos os verões que nela se calam
movem outra vez os mil galhos,
e acordam de novo entre o dia e o sonho.