segunda-feira, fevereiro 09, 2009

José Rodrigues de Paiva nasceu em Coimbra, Portugal, em 30 de outubro de 1945 e encontra-se radicado no Recife desde abril de 1951. É Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (1969), Mestre em Letras (Teoria Literária) pela Universidade Federal de Pernambuco (1981), com defesa da dissertação "Mudança": romance-limite e Doutor em Letras (Teoria Literária) pela Universidade Federal de Pernambuco (2006), com defesa da tese Vergílio Ferreira: Para sempre, romance-síntese e última fronteira de um território ficcional, recentemente publicada pela Editora Universitária da UFPE.
Além da produção de teor acadêmico, também possui vasta produção poética. O poema escolhido para esta postagem pertence a sua mais recente publicação, As Águas do Espelho. [Editora Universitária da UFPE, 2008].

Amanhã Haveremos de Fazer Grandes Coisas

Amanhã haveremos de fazer grandes coisas...
Nada de coisas miúdas, com que se pretenda pensar e salvar o mundo,
criar uma invenção inexistente, a fórmula de remédio para doenças [incuráveis,
o elixir da longevidade... outras miudezas do gênero.
Só grandes coisas haveremos de fazer amanhã:
experimentar um vinho novo,
sentir na brisa os aromas da tarde de flores e pássaros
e a vibração interior do mistério no sopro de uma flauta.
Ler quaisquer belas páginas de um romance de Yourcenar, de [Saramago ou de Cony,
Sentarmo-nos de mãos enlaçadas, como os estóicos amantes de Reis,
à beira do açude vendo o brilho refletido na luz entre as plantas [aquáticas,
uma ave, um peixe, uma asa de vento que arrepia,
numa carícia rápida e sensual, a epiderme das águas...
Só grandes coisas,
como os privilegiados instantes de um poema
em que Borges, entre espadas e espelhos, memória sucessão e engano,
erige o tênue e eterno tempo.
São estas, se quiseres, algumas das coisas que poderemos fazer [amanhã.
Mas, como só de grandes coisas nos ocuparemos,
poderemos, ainda, ir ao campo e colher,
nas trepadeiras de uma cerca viva,
a flor amarela da alamanda que ali esteve sempre à nossa espera.
Ou, junto ao mar, lançarmos nossos olhos para além do infinito
onde moram os sonhos, ou, se preferires, subirmos aos altos montes
e ali nos ausentarmos de tudo, enquanto súbitas e densas névoas
nos envolvem, ocultado-nos de indesejáveis olhares estrangeiros.
Depois, no recolhimento da memória de cada um de nós,
haveremos de ouvir um violino que em linguagem de sonho
fale de amor, de desencontro e de saudade...
Se ainda quisesses, amanhã haveríamos de fazer grandes coisas.
Coisas como estas, ou como outras que
ao impossível sonho fosse permitido inventar.

Olinda, 13 de dezembro de 2000